A árvore e a sombrinha amiga
A árvore já bem vivida não resistiu aos ventos furiosos da última semana de agosto de 2023 em Dourados e sucumbiu. Ao seu lado uma outra jovial balançou, dançou, sacolejou, rodou a baiana e resistiu impavidamente perdendo apenas algumas folhas. A sua juventude, obviamente, prevaleceu.
Uma cena triste, mas comum. Ou melhor: melancolia para uma, nem tanto para a outra. Muitas árvores caíram pela cidade e causaram estragos.
Na simples análise do caso, do fato sensível, na perspectiva filosófica ou mera sátira do humanitismo machadiano, uma morreu para dar lugar à outra.
A sombra da árvore grande dificultava o crescimento da menor. Daí que a própria fúria da natureza deu cabo da situação. A jovem poderá banhar-se melhor ao Sol e crescer de forma célere, porém, um dia também envelhecerá e o ciclo, inexoravelmente, se repetirá.
É a vida.
Quando o presidente da Academia Douradense de Letras (ADL), Marcos Coelho, me convidou para escrever para o livro dos 30 anos da ADL em homenagem à acadêmica Ruth Hellmann a metáfora me aguçou. A criança pulou do sofá. Humanitismo de Quincas Borba: a água evapora para formar novas chuvas; aos vencedores as batatas!; vencem os mais fortes! Essa é a lição do bruxo velho.
Um dia impávido e colosso. No outro, um tronco caído...
No pequeno folheto da literatura de cordel Idosos Admiráveis (2011, p. 16) Ruth escreveu: “(...) Os idosos nos ensinam/A pensar e respeitar/Os novos e os experientes/No seu ofício de aceitar/Sem nunca nada temer/Mas lutar para acertar (...)”.
Ruth vivia iluminando e alegrando como escritora e contadora de histórias para crianças.
Uma sombrinha amiga nos dois sentidos da palavra!
A célebre lembrança é bem-vinda para o regozijo e o reconhecimento. No modo humano de ser e pensar (e logo existir) reprisar um filminho bom e nostálgico no ambiente dos ainda não idos.
Que tal este recorte de Upa Upa (2013, p. 20), outra obra da escritora: “(...) Então, seu pai quebrou um galho de árvore e deu-lho, dizendo: - Paulo, quando eu era menino, eu andava muito a cavalo, olhe aqui um cavalinho para você! (...)”.
Em certa medida a ventania assustadora e o honrado convite me levaram a pensar assim.
Quem agora estaria substituindo a sombrinha amiga no contexto literário local?
É o que há, por enquanto, de batatas no quintal...